Um garoto no telhado. E a chuva cai. E eu aqui. E tem uma janela no quarto. E o garoto solta pipa. E eu tenho uma flauta doce. E eu queria ver o garoto eletrocutado caindo do telhado, mas choveu e ele não seguir na ousadia nossa de cada dia. Minha crueldade é um berimbau, que a gente que pensa demais acompanha enquanto dança a luta, ou luta a dança do egoísmo. Tenho medo de chuva.
Será que tem sentido se não existir vida depois da vida, que quem pode escrever vive? Será que o sentido e a relevância da nossa vida para o Universo não está em findar nossa vida? Será que o que importa são só as ações? Será que existem consequências? O menino não parou de empinar sua pipa por medo dos trovões, ou por teorias que dizem que as descargas elétricas das nuvens procuram o caminho onde gastam menos energia para chegar à terra; ele só parou, porque tem medo de se molhar.
Parei com a flauta doce para ir almoçar, sou quase como o menino que solta pipa. Será que ele também não estava me observando e não é poético e visionário como eu? Bom, pelo menos ele olhou para o céu em algum instante, mesmo que tenha sido porque algo lhe incomodou. Eu gosto de pessoas assim: que não tem medo de raio, mas tem medo de chuva. Mas não me deem atenção, porque eu também sou admirador de moscas.
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No fundo, a gente só quer alguém que sinta a mesma dor que a gente. O que me dói é o tórax; se você sente dor nos dedos, eu não sou seu amigo! "Eu soube que você anda falando que eu fico implorando para voltar ao nosso lar". Bendito Zeca! Bendito!
O céu nublado anda sorrindo. Acho que me identifiquei com todo mundo nessa história: com o menino da pipa, porque ele não acredita na eletricidade das coisas improváveis - que se danem os elétrons ordenados; com a chuva, porque só cai de vez em quando e os pingos vêm de todos os lados; com o raio, porque acha graça do menino que não lhe teme; com a janela, por que só serve quando alguma coisa incomoda quem solta pipa; com a flauta doce, porque não sai da minha boca; com a pipa, porque é controlada por alguém que tem medo de chuva. E nessa história aí toda, eu sou o telhado: em mim cai o raio, elevo o menino, dou alturas à pipa, em mim cai a chuva, protejo o menino do que ele teme e do que não teme e sou objeto de demonstração de seres, que são inspiração para a composição de canções de flauta doce.
A gente só queria fazer uma menina chorar.
Agradecimentos ao dr. House e ao menino da pipa.