terça-feira, 4 de junho de 2013

(Crônica) À cavalo

por José Mauricio.

Mais uma crônica, repleta da hegemonia dos clássicos:
Sherlock Casimiro e Zé Watson.

     - Sr. Casimiro, recebi este bilhete hoje de manhã de alguém que se diz arrependido por um assassinato. O tal não se identificou, mas nos ligaram à tarde para avisar de um corpo encontrado num rio. Achamos que é o mesmo caso, intuitivamente. Não sabemos quem é o morto. Não tem documentos e ninguém das proximidades reconhece. Mendigos, moradores, vendedores, ninguém. É um caso bem complicado, detetive.
     - Talvez seja, delegado. Talvez seja. Onde está o corpo? Precisamos vê-lo.
     - Vamos ao necrotério.


     Watson avaliou o corpo e, com propriedade, concluiu que o candango era um mendigo, a se dizer pela grande barba, cabelos imundos, roupas de trapos...
     - O que pode me dizer, Watson? – perguntou Sherlock.
     - Foi morto esta manhã com um tiro na cabeça, evidentemente.
     - É justo isso o que diz no bilhete – interrompeu o delegado.
     - Parece que estamos no caminho certo – concluiu Sherlock. – Mas a situação é um tanto quanto contraditória, amigos. O tiro na cabeça denota o homicídio proposital, talvez planejado. Entretanto, o bilhete enviado ao delegado demonstra o sincero arrependimento por parte do assassino. Pelo antagonismo das ideias que citei, concluo que este bilhete seja só uma artimanha de um jogo que o assassino quer criar.
     - É notável a intencionalidade do assassinato, dado que é um mendigo de uma região diferente de onde o encontramos morto, pois, como apurado, ninguém o conhecia nas redondezas nem ao menos os próprios mendigos.
     - Elementar, meu caro Zé. Elementar!


O telefone toca!
     - Sim?
     - “Detetive?”
     -
Sim. Quem deseja?
     - “Aqui é o delegado Irineu, detetive. Estou ligando para lhe avisar de outro bilhete que recebi do assassino.”
     -
A caligrafia bate com a do anterior?
     - “Sim, detetive. Também procuramos digitais, mas sem sucesso. Pelos garranchos bem trabalhados, pude averiguar que o assassino tem boa caligrafia, mas parece-me que ele escreveu os dois bilhetes com luvas. Eu mesmo fiz testes e vi que é bem complicado.”

     - Bela dedução, delegado. Pode ler o bilhete para mim, por favor?
     - “Diz: ’Achem-me, encontrem-me. Não suporto mais essa dor de arrepender-me, contudo não posso me entregar, pois o morto não aprovaria. Eu o matei quase por solicitação, mas ele não falava para confirmar-me a paz de espírito. E creio ainda, também, que tivesse salvação. Sou totalmente contra a eutanásia, mas foi a única salvação que vi no momento para livrar um amigo da dor.”
     - É como disse, Sherlock. O morto possuía um tumor na falange, este lhe deixou impossibilitado de falar. Não posso afirmar com muita propriedade há quanto tempo, mas nestes últimos dias ele deve ter sofrido muito, dado pela infecção que contraiu, como podemos ver. Deve ter comido algo contaminado, ou pegou uma gripe, ou coisa do tipo. A garganta infeccionou e agravou-lhe muito a dor – disse Watson.
     - O assassino é um médico que cuidou de um mendigo há pouco tempo. Mande seus homens investigar médicos deste perfil nos hospitais públicos e também médicos que moram perto de onde encontramos o corpo, delegado. - Às ordens, detetive.
    - Pesquisamos a cerca de médicos que moravam nos arredores de onde encontramos o corpo, como disse, e achamos um em especial. Ele disse que cuidou de um mendigo recentemente. Chegou ao hospital reclamando de muita dor, fizeram uma radiografia e perceberam um corpo estranho. Através de uma laringoscopia, puderam ver que ele tinha um tumor na falange - relatou o delegado Irineu.
    - A descrição bate. Pegamo-lo! - disse Zé Watson esfuziante, sorrindo ao vento e dando dois tapinhas no ombro de Sherlock.


Prenderam o tal doutor. Nome de Orféu. Na mitologia ensinava harpa. Agora não conseguiu tocar estas cordas. Não as vocais.
     - Vamos de metrô, Sherlock?
     - Sim, caro Zé.
Sentou um cara meio impaciente ao lado dos dois. Sherlock, com seu cachimbo em pleno fumo, avaliava o homenzinho trêmulo dos pés à cabeça.
     - A julgar por seu nervosismo, mãos trêmulas, palidez e sudorese, eu diria que o senhor cometeu um crime e está a caminho da delegacia para confessar.
     O homem congelou.
     - E então? - forçou-lhe Sherlock Casimiro a falar.
     - Sim, eu confesso. Mandei dos bilhetes para a delegacia, mas parece que o delegado e sua equipe não são lá tão bons. Assim como você me parece ser.
     - Então foi o senhor o criminoso que matou o mendigo canceroso? – Zé Watson perguntou de ímpeto, com um quê de raiva e indignação.
     - Não. Só sacrifiquei meu cavalo Lineu, mas acho que ele tinha salvação.

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