terça-feira, 4 de junho de 2013

(Crônica) A ela, só usei,

por José Mauricio.

Encontrei-a jogada num canto da rua. Fiquei encabulado e penoso ao avistá-la tristonha, vazia e sem utilidade. Eu via sua busca incessante por olhares, onde apenas encontrava refutação. Os outros negavam sua existência e a cada segundo ela ficava mais velha, como se tivessem passado anos ou séculos. Seu físico já era de notável e expressiva carência de cuidados, ela sentia necessidade de se preencher com o que quer que fosse, mas ninguém a absolvia da solidão. Tive compaixão da pobre coitada, enquanto a observava tentei-me pôr em seu lugar e fiquei atônito com os sentimentos que emergiram de meu âmbito. Vi o que era o "sofrer" e me tornei um grande amigo da solidariedade e da prontidão, duas grandes pessoas, aliás. Levei-a para minha morada e lá chegando lhe mostrei as riquezas das quais ela não tinha conhecimento algum. Comecei a encucá-la com minhas ideias, probabilidades fajutas, objeções; vi sua gratidão quando se abriu e tentou acomodar e organizar minhas orações em sua mente, para que conseguisse mais espaço e pudesse aprender mais comigo. Difícil mesmo foi quando ela se viu lotada. Não vi outra saída a não ser retirar tralhas que já não serviam mais para ela e nem para mim. Criamos um relacionamento de armazenamento. O que eu precisava levar a algum lugar jogava dentro dela e a levava comigo. Aonde quer que eu fosse lá estava ela atrás de mim. Sempre de prontidão, como eu o fiz com ela. Seu ato de servidão me deixava embasbacado. Um ser tão imponente, tão sério, sereno e morno agindo de uma forma tão auxiliar e prestativa. Não conseguia deduzir seu estado anterior deste novo. Certo dia, caí numa forte depressão misturada com indignação e ignorância, tornei-me deveras arrogante. Não conseguia entender a diferença de um ser que era sozinho e vazio, e um ser que agora é parte de um conjunto e sempre cheio. Um ser sozinho pode ser aclamado por outros seres, um ser vazio pode ser cheio de coisas que o aclamem, mas um ser abarrotado, tudo nele se torna stress e as coisas viram meras tralhas, e um ser que sempre está em comunhão com muitas pessoas nunca pode ter um momento de melancolia e nostalgia só para ele, sempre que tem crises de tristeza alguém lhe vem perguntando: "O que há?". Realmente, concordo que é triste o ser só e vazio, mas é mais triste ainda ser sempre lotado e social. E o pior de tudo é que ela não tinha poder sobre si mesma, sempre era eu que a influenciava. E ela nunca se opunha contra minha opinião de armazenamento, nem nunca se quer questionava minhas escolhas. Nunca retirara nada que eu havia posto, nunca punha nada sobre o que eu já havia posto. Na verdade, ela só servia a mim para ser preenchida e esvaziada, mas logo em seguida preenchida. Só me servia cheia e quando estava vazia eu a enchia para que servisse a mim. Eu comecei a enlouquecer com minha tirania, um sentimento primário tão sublime e admirável, que era a compaixão, se tornou em severa escravidão e liberdade para a injustiça. Mesmo vindo a ter esses pensamentos contra meu ser ditador, eu seguia usando-a como fonte de tralhas e sustento de viagens. A ela dei o nome de Mochila e nós seguimos a vida. 

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