terça-feira, 4 de junho de 2013

(Prosa) Ah, o silêncio,

por José Mauricio.


          Voltamos a ser a raça que nos incomodava. Animais. Ah, o silêncio. Lá fora, a chuva violenta o asfalto e, quanto mais chove, mais parece que nos somos de vidro. Um grito que ecoa nos tímpanos sensíveis da criança. Ah, o silêncio. À espera da chegada, os humanos sonolentos e fatigados conversam entre si e até consigo mesmo sobre o prazer. Mais da metade sente vontade de se masturbar. Não falam nem contam esses segredos, mas movimentos bruscos e animalescos, suas respirações ofegantes, suas gritarias e desvairos exprimem fácil a sua origem grotesca e rústica. Ah, o silêncio. Acho que só se deu mal mesmo porque levou um susto. "Ah, o tão sonhado silêncio nunca existiu", pensou frustrado. Agora a violência da chuva é toda sobre mim. Na rua só existem corpos imóveis, automóveis e meu corpo, que clama por salvação. Na dureza do chão, os gotejos dão-se com tanto ímpeto que chega que quicam. Como pode? A gelidez da água nem se comenta. Ah, o silêncio. A gente não espera o silêncio. A gente espera o barulho. Porque o silêncio é a falta de barulho. A gente anda muito desacreditado. E o silêncio não deve nem existir. Silêncio. Psiu. Quanto mais você fala, menos te ouço. Você calou-se tanto. Eu falei demais, o problema sempre foi comigo. Você esqueceu da nossa estória. Talvez só eu soubesse dela e insisti em chamar de nossa. Eu falo como se tivesse terminado, mas aqui nada acaba. Aqui nesse peito sou todo esperança. Aqui nesse peito sou todo silêncio. Ah, o silêncio.

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